quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Um ano depois.

A minha experiência de Erasmus acabou há pouco mais de um ano, e eu podia jurar, não apenas por ter relido muito do que ficou para trás mas especialmente porque tenho uma memória física e espiritual do que me aconteceu (e do que eu fiz acontecer) nesse ano, que nunca mais voltei a sentir ou a viver algo tão intenso como aquilo.

Esta sensação carrega em si uma certa dose de melancolia e é com certa angústia que o digo. Sei que tenho ainda tanta vida pela frente, e sei que aquela foi apenas a primeira das melhores experiências que alguma vez vivi. Ainda carrego, comigo, a tal caixinha onde guardei todos os momentos, as histórias, as vivências, as memórias, os cheiros, as emoções, e de vez em quando gosto de abri-la.  Resolvi fazê-lo agora. Não me perguntem porquê.

Desde então, quase todos os dias, ao acordar, sinto que algo me falta. De certa forma, por ter vivido algo tão intenso, o não vivê-lo só por si faz-me ter a sensação de que estou a perder algo. De que devo estar a perder algo. De que a minha vida agora, se aproxima àquela que eu criticava tanto nos outros: viver normal? pensar normal? fazer coisas normais? Mas porque é que eu alguma vez fiz isso, e porque hei-de voltar a fazer?! E deixei que voltasse a fazer. Deixei que me fizessem voltar a fazer.

Não deixo que este algo, que me falta, no entanto, me incapacite ou imobilize. Não deixo de viver, ou pelo menos de querer viver, não deixo de progredir, ou de querer progredir, não deixo de me levantar, ir à luta, ainda que tantas e tantas vezes simplesmente não me apeteça. Mas sei que isso seria uma atitude passiva perante a vida, e nunca me deu para isso. Por outro lado, esse algo que me falta, é o que me move. É o meu combustível. Eu sei que já senti e vivi tudo aquilo, e portanto, sei que é possível sentir e viver tudo aquilo. Assim, eu não cruzo os braços, raramente desisto e sempre admito a possibilidade de voltar a sentir e a viver aquilo tudo, e tento fazê-lo no meu dia-a-dia, ainda que sem sucesso, na maioria dos dias. Hoje, posso dizer que nunca me passou aquele choque pós-Erasmus; ainda que bastante diminuído, ainda que me tenha adaptado, que tenha voltado a viver a minha vida cá e que a tenha enchido de novas pequenas experiências, muitas delas verdadeiramente ricas e maravilhosas e novas, ainda que nunca tenha deixado que esse choque me impedisse de nada, nunca me abandonou, essa sensação. Nunca por completo, pelo menos.

As mudanças interiores vieram para ficar. Nunca tinha apreciado tanto os pequenos prazeres que nos passam despercebidos, na maior parte das vezes. Pode ser um céu azul ou uma máquina de picar gelo. Há coisas que me fascinam de tal forma, só porque sim. Só porque fascinam. Não precisa haver nenhuma razão especial. Tantas vezes não entendem porquê. Eu digo "olha! olha tão fixe! não consegues ver como isto é lindo?!", e olham para mim como se eu fosse uma criança que acabou de desenhar uma cobra que comeu um elefante, e pensassem que era um chapéu (O Principezinho, claro). Mas eu, de certa forma, mantive (fiz questão de manter) a minha pequena wonderland. Aquela para a qual fujo, como um escape, quando simplesmente me farto de lidar com a realidade. E farto-me muitas vezes. Tantas vezes! Pelo menos uma vez por dia. Quando o desajuste extremo que experiencio frequentemente entre o que eu sou na minha essência e a sociedade em que me insiro. Entre o que eu sou na minha essência e o que querem que seja. A tantos níveis diferentes!

Talvez, muito provavelmente até, estou a ser exagerada. E sobretudo injusta. A minha vida não é nada má. As pessoas que me rodeiam e apoiam e são próximas, estão longe de ser "más". Este problema não é mais do que apenas meu e na minha cabeça, talvez. É eu sentir-me presa dentro de mim própria, mas sobretudo, experienciar um tipo de solidão que apenas recentemente descobri. Não é a solidão física, mas sim a solidão de chegar à conclusão que ninguém (ou poucas pessoas, ou as pessoas que quero que o compreendam mais que ninguém) compreende o que sou, e especialmente, as experiências que me tornaram o que sou.

No fundo, o que se passa é que durante um período de tempo, eu senti que não tinha tempo. Que não tinha fronteiras, nem limites. Nem regras. Nem conceitos objectivos de certo e errado, de bom e de mau, de "deves fazer" e de "não deves fazer". O que eu estou a tentar dizer não passa de uma pura falta de ajustamento e negação da realidade; da realidade que tem "certos" e "errados" fixos, da realidade que permite ou não permite. O que dá origem a uma sensação de privação de liberdade. Liberdade não só de fazer. Mas sobretudo, liberdade para ser.*

Não é mais do que isto. Mais de um ano depois, é este "isto" que chateia, que é a pedra no sapato, que faz sentir que algo falta.

Talvez volte a escrever daqui a um ano, com uma perspetiva diferente e, espero, melhor.


* Quando eu me refiro a liberdade para ser, refiro-me a isto: não ter de corresponder a expectativas ou viver a vida segundo regras, asfixiar por completo o meu espírito livre, como: "tens de ter um curso para ter bom emprego", "tens de ter bom emprego para ganhar dinheiro", "tens de ter dinheiro para viver razoavelmente bem e ter qualidade de vida", "isso faz-te mal", "isso está errado", "tens de fazer", "não podes fazer", "não devias fazer isso", entre outros.


1 comentário:

Anónimo disse...

Sei o que passaste porque estou a passar pelo mesmo... :(