segunda-feira, 2 de julho de 2012

Weltschmerz and loose thoughts.

Desde o primeiro dia em que o vi. Tive esta visão, muito vaga, muito momentânea, muito distante. O rosto dele envelhecido, com rugas, cabelos brancos de sabedoria e experiência, aquele olhar tão dele, tão intenso, no meu, como se nos conhecêssemos desde sempre. Desde o primeiro dia em que o vi. Ali, num momento indiferentemente importante, numa qualquer noite de Erasmus. Não ignorei esta energia que senti, quando o vi pela primeira vez. Não ignorei e não ignoro, porque com esta experiência aprendi, a esperar até do mais inesperado e daquilo que parece mais impossível num dado momento no tempo. Porque todos os momentos, após esse contacto inicial, foram para mim pequenas conquistas. Pequenas batalhas, pequenas surpresas, pequenas bênçãos. Porque todos esses pequenos passos e pequenas conquistas foram surpresas; porque nunca esperava mais de nada do que aquilo que me parecia realista esperar; mas porque sempre me permitiu esperar um pouco mais, um pouco mais e um pouco mais; até um dia que chega, como o dia de hoje, e poder dizer: eu, realmente, nunca esperava que tudo se tornasse como é hoje, mas já espero, do futuro, bem mais do que esperava inicialmente.

Se me perguntarem se acredito em destino, a resposta é incerta. Acredito que tenho grande poder de controlo sobre a minha vida e o meu futuro, mas há coisas, eventos e pessoas e coisas que acontecem na vida que me levam a levar as mãos à cabeça e pensar: isto só pode ser destino.

Hoje, este dia é diferente; é diferente daquele dia, e é diferente de todos os outros. Um dia distante, algures no passado, separado do hoje por um imenso corpo de pequenas histórias que escreveram a página do deste dia. Hoje, no comboio, deixei a paragem onde tinha de sair, passar. Cabeça mil à hora, overwhelming, de pensamentos e sensações, quebro, choro, não de tristeza mas do facto de tudo ser tão tão e tão esmagador, óculos escuros para ninguém ver. Lembro-me de um dia em que me disseram, quando era pequena "que menina tão bonita, que fica feia quando chora"; a minha forma de estar, desde esse dia, é a de sorrir, sempre. Talvez porque queira mostrar o meu lado de "menina bonita"; não me despir por completo nem mostrar a minha fealdade, nem aquela de dentro, nem aquela de fora. Aquela que todos possuímos, de alguma forma.

Hoje, a forma que o tempo tem de ser surpreendeu-me. Mostrou-me como o passado pode ser tão distante quanto presente e mesmo ali ao virar da esquina. Como cada momento que passou foi tão intenso e ficou tão cravado na memória que não passa mesmo do que passou, um passado relativamente distante, e no entanto, presente como tivesse acontecido ainda ontem. E um futuro que sempre parece distante mas que voa a uma velocidade desorientadora. Aquele futuro sempre tão preenchido de pontos de interrogação, destinos adivinhados, previstos ou inesperados, planos não cumpridos, quarto suficiente para surpresas e coisas boas que surgiram porque sim, porque era hora, porque era tempo, não porque estava escrito, mas porque merecia um dia ser escrito sobre. Aquele futuro, sempre tão vago, e no entanto sempre tão aqui, sempre cada vez mais perto, umas vezes maravilhosamente perto - a antecipação do estar, do ser e do acontecer quase, da excitação das vésperas, dos dias antes, de faltar uma hora para - ora inconfortavelmente perto, porque apetece ficar no quentinho e na bolha da certeza do presente.

Hoje apercebi-me de quão perto está a hora. Aquela hora que parecia estar igualmente distante quer há um quer há 5 meses atrás, mas que agora está (inconfortavelmente) perto: a hora de fazer as malas, e ser a última noite neste quarto que guarda tantas histórias, a hora de entrar no avião com um bilhete de volta a Lisboa, desta vez, só de ida. Hoje apercebi-me de que este momento nunca esteve tão perto e a tocar tanto no meu nariz, como hoje.

Hoje, apanhámos comboios diferentes. Largámos a mão. Fomos em direcções opostas, para um dia nos encontrarmos num país que um dia, talvez, quem sabe, poderemos dizer que é comum. Hoje apeteceu-me agarrá-lo e dizer-lhe "fica comigo, vem comigo, não fiques fora ou longe ou de mim nem por um minuto!" , arrastá-lo para o mesmo comboio que o meu em vez de dizer "corre, corre!" para o dele. Hoje, mais do que todos os outros dias - ou talvez não mais nem menos, mas exactamente na mesma medida, aquela em que o ar me falta de o ver partir, aquela em que não sei se hei-de chorar, gritar, ou agir da forma mais normal possível para que todo o mundo na estação não fique a olhar para mim com ar de pena porque sofri uma desolação de amor - quis que ele ficasse, que ele viesse, que ele não fosse. Simplesmente, que ele não fosse.

Hoje olhei para trás. Para todos os momentos e pessoas que me fazem poder dizer: agora sim, começou a minha vida a sério, e se houve privilégio que tive foi mesmo a de poder construir, bocadinho a bocadinho, esta imensa e pesada bagagem de experiências e histórias para levar comigo. Sou feliz. Hoje olhei para trás e pensei...

Este ano, foi irreal. Foi divinal. Foi intenso. Foi de pouco um tudo e de tudo um pouco. Este ano foi o que costuma ser 3 ou 4. Este ano foi o ano em que comecei - e só comecei - a crescer, a apreciar, a viver, a ser mais verdadeira, a estar mais conectada com o mundo que me rodeia, a terra da qual vim e para a qual voltarei. Este ano foi aquele que me permitiu acreditar e poder dizer: há coisas que, sim, só podem ter sido obra do destino. É impossível haver assim tanta sorte e tanto privilégio para poder ter tido as oportunidades que tive, e tê-las saber vivido com todas as células do meu corpo e uma mente aberta, sedenta de ser fertilizada, alimentada e estimulada por novas ideias, novas culturas, novas formas de ser, de viver, de existir, de acreditar, presentes no mundo. Tenho hoje comigo uma pequena caixa, que construí e enchi ao longo do tempo, cheia de coisas não palpáveis mas que enchem a alma, e o coração, e a vida, que transporto comigo para onde quer que vá, uma caixa que sei que posso e consigo abrir a qualquer dado momento. E isto não tem qualquer preço.


Hoje foi , enfim, um dia em que pude olhar para trás - para todos os outros dias em que algo de significativo aconteceu e determinou onde estou e o que sou agora - e fazer um ponto de situação. Hoje foi um dia, de alguma forma, de libertação. De organização temporal e espacial, de arrumação: de arrumar caixas, umas dentro das outras, encaixadas numa estrutura baseada em significados dados a experiências e memórias. Hoje foi um dia de realizações e mudanças interiores. Como tantos outros dias!...

1 comentário:

Menina disse...

Durante este ano acompanhei as vivências de ERASMUS de três pessoas. Tu e duas amigas do meu curso (uma em Madrid e outra no Brasil. A do Brasil não é bem ERASMUS, mas vai dar ao mesmo).

E é engraçado de ver as mudanças que todas foram sofrendo ao longo deste ano.
É claro que se notam imensas diferenças, até porque têm as três personalidades muito díspares e estiveram em locais diferentes. Mas nota-se em todas uma grande evolução e amadurecimento pessoal.

Fiquei com vontade de fazer ERASMUS =P

Mas, infelizmente, como já vou fazer o estágio fora, não dá para tudo. :)

beijinho