terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Pequenas grandes mudanças.



Quando os meus melhores amigos de Lisboa me vieram visitar no período da Passagem de Ano, um deles foi a Sara. A Sara chegou no dia 30 de manhã, o que nos deu um bom tempo de qualidade só para nós (a Vera, o Alexandre e o Jan só chegavam de noite). Fomos às compras, fizemos almoço, almoçámos, e ficámos a tarde toda a pôr a conversa em dia. Comparámos os nossos erasmus, semelhanças e diferenças; perguntei-lhe o que ela achava que tinha mudado mais na vida dela, com o erasmus. Uma das coisas que ela sublinhou foi o facto de ter ficado muito mais tolerante; mais calma e pacífica, mais paciente, especialmente com as pessoas à volta dela; menos "ferver em pouca água".

E esta foi uma das mudanças que encontrámos em comum. 

Há pequenas grandes coisas perante as quais a minha atitude é, hoje, completamente diferente da que seria antigamente. Ainda no exemplo da Sara, da tolerância; um dos exemplos mais claros em de como fiquei mais tolerante, isto é, mais paciente, com as pessoas, foi quando o meu pai veio cá visitar-me no natal. O meu pai ter vindo cá foi o primeiro contacto que tive com a minha "antiga realidade", desde que aqui cheguei; se for a ver bem, foi um dia em que vim para aqui e imediatamente comecei a construir uma nova realidade; só ao fim de 4 meses, tive contacto directo e pessoal com uma pessoa que fazia parte da minha antiga realidade. Sempre tivemos uma relação um bocado fria; sabemos que nos amamos, como pai e filha, sabemos que estamos gratos por nos termos; ele sabe que eu o amo do fundo do coração e que estou mais que grata por tudo o que ele sempre fez por mim, pela minha educação, pelo meu bem-estar; mas não é o tipo de relação em que eu o abrace e diga o quanto gosto dele, ou diga um "obrigada" todos os dias. É uma relação em que tudo isto está implícito mas não é directamente transferível para um abraço. Talvez fizesse bem. Mas talvez também seja porque o meu pai nunca foi muito de expressar emoções. A ideia de abraçá-lo e dizer algo comovente sempre foi uma ideia que me repelia. Já para não falar no quanto discutíamos, antes. O meu pai tem algumas ideias com as quais não concordo, e claro, isso leva sempre a discussões. Eu, sim, era pessoa de ferver em pouca água. Não tinha paciência para certas coisas. Mas quando ele veio cá no natal, eu apercebi-me da mudança. O meu pai continua a não ser uma pessoa de expressar emoções; quando me viu no aeroporto sei que ficou feliz por ver-me, mas não teve propriamente uma reacção calorosa; no entanto, eu abracei-o, disse que tinha sentido saudades, agarrei-me a ele pelo aeroporto fora. O meu pai continua a ter manias e ideias com as quais não concordo; e continua a ser incrivelmente irritante quando se foca em coisas parvas e fica a matutar e a falar nelas vezes sem conta, até não podermos mais ouvi-lo; no entanto, em vez de mandar um "já chega! já ouvi!", ouvi 244 vezes as mesmas coisas, e nas 244 vezes, acenei e disse "sim" e "está bem", com um ar calmo e pacífico. O meu pensamento era sempre o de não valer a pena não ser doutra forma. O meu pai será sempre como é. E se não fosse, não seria ele. Deixei de tentar mudá-lo. Mesmo que por vezes me irrite. O meu nível de tolerância face a estas coisas é bem maior. Sempre teremos as nossas diferenças, e o melhor, é mesmo aceitá-las assim.

Até mesmo com a minha mãe, uma pessoa difícil de lidar com. Ela liga-me, ou eu ligo-lhe a ela, e estou muito mais paciente para ouvi-la quando ela começa a dizer coisas que, para mim, são só disparates. Se ela me dissesse as mesmas coisas há uns meses atrás, tinha-a mandado dar uma volta e fechado no meu quarto ou até mesmo saído de casa e batido com a porta, depois de uma discussão feia.

Outra pequena grande mudança, é a de abertura de mente e capacidade de aceitação. Apesar de eu já não ser uma pessoa propriamente judgmental, nem de estereótipos, ideias pré-concebidas e até mesmo preconceito - no sentido de que nunca fiz uma distinção das pessoas "por fora", pelo que fazem, pelo que vestem, e que nunca fui muito de julgar o livro pela capa - ainda era menina para gozar com estereótipos, tipo os "mitras", e os "betos" (até podia ser amiga de uma beta, mas ela era sempre beta para mim, e havia ali qualquer coisa que não gostava e até digo mesmo, não aceitava, em silêncio). A minha perspectiva em relação a tudo isso mudou drasticamente a partir do momento em que conheci pessoas tão diferentes umas das outras, and yet, com mais semelhanças do que diferenças entre si e entre mim. Aprendi que uma pessoa não pode, simplesmente, encaixar-se num estereótipo assim tão facilmente. E que, mesmo as que se encaixam num qualquer estereótipo, continuam a ser únicas à sua própria maneira. Maravilhosamente únicas. Conheci gays que pareciam hetero, e vice-versa; conheci um chinês que diz ter um "corazión español", dança salsa, fala espanhol, diz que o nome ocidental dele é "Fernando", e dança Mickael Jackson pro-level. Quer dizer, uma personagem completa, toda uma personagem... enfim. No fim, acabou por ser, sem qualquer dúvida, um dos meus melhores amigos de erasmus, aquele com o qual faço questão de manter contacto com. 

Conheci uma betinha de Lisboa, mais precisamente da Linha de Cascais, com a qual, contra toda e qualquer probabilidade, me dei super bem, e atrevo mesmo a dizer-me, ela surpreendeu-me de forma tal, que me fez parar de pensar "se estou em erasmus, não quero dar-me com pessoas de Portugal"; não, ela sim, é mesmo uma das pessoas do meu erasmus das quais sempre me vou lembrar (infelizmente, já voltou para casa). Até mesmo o próprio Marcel: uma pessoa olha para e ele e diz, que ele é beto. Tem cabelo loiro e ondulado, e grande; tem um piercing no lábio; veste camisas; tem uma atitude de lover-boy, que eu amo. Eu, se o visse em Lisboa, mandava-o dar uma volta, que detesto betos. E foi preciso vir para a Holanda para me apaixonar por um beto alemão. Delicioso.

No outro dia, o Marcel contou-me do momento em que se apercebeu o quanto estes últimos meses o fizeram crescer tanto. Foi quando estávamos os dois na estação de comboios para ir passar o fim-de-semana a Enschede, e ele viu um homem vestido todo de preto, com correntes e maquilhagem preta - eu não o vi, mas pela descrição, assim um estilo meio rock-gótico. Contou-me que sempre detestou aquele estilo e que, se o tivesse visto há uns meses atrás numa estação de comboios, teria imediatamente relacionado aquele estilo a uma pessoa não muito interessante, ou com a qual ele não iria dar-se bem. Mas que, naquele momento, o pensamento dele foi completamente neutro. Que este tipo podia ser a melhor ou a pior pessoa do mundo, com igual valência para os dois pólos, que não conseguia mais julgá-lo apenas por um estilo que ele não gostava. E que este foi mesmo o momento em que ele se apercebeu de como a capacidade de aceitação perante os outros cresceu TANTO com esta experiência erasmus. "Simply, let it be, live and let live, just let other people be like they want to, just accept it, it's just it". Oh, se todos pensássemos assim, o mundo não seria um local tão melhor?

Quer dizer, até mesmo com as diferenças e choques culturais, de certa forma fui "obrigada" a aceitar que nem toda a gente é igual: nem toda a gente partilha de forma tão natural assim; nem toda a gente expressa emoções assim. Aliás, tudo isto é coisa de latinos. Quando me deparei num grupo de amigos com uma grande maioria de pessoas da Bélgica, Alemanha, Dinamarca, etc., quando comecei praticamente a viver com eles todos os dias, ao início certas coisas ainda me faziam confusão, e pensava: como é que eles podem ser frios e racionais assim? Mas tive de aceitar que é assim e pronto, talvez eu seja a única demasiado emocional e expressiva (talvez, não, sou mesmo); e a aceitação que temos todos uns com os outros é tão grande, que eu posso continuar a ser a "emotional, loving portuguese girl, Claudia" e eles podem continuar a ser, para mim, os alemães e os belgas que não dão abraços tão facilmente como eu, mas conseguimos todos viver bem assim. É um ambiente tão internacional e todos estamos cientes das nossas diferenças, aprendemos a viver com elas; eu, prefiro utilizá-las como forma de me enriquecer a mim, em vez de ver como uma diferença gigante e inultrapassável que me impede de me dar bem com eles. Se bem que eu tenho cá as minhas suspeitas de que o Marcel e a Roos já "passaram para este lado". Estão muito mais calorosos do que antes: já nem preciso de pedir um abraço ou um beijo, um simples gesto de expressar o quanto gostamos uns dos outros, eles já fazem isso porque querem. eheheh :D

Outro exemplo: a minha capacidade de relativizar problemas, ou aquilo a que chamamos de "problemas". Sei que este é um exemplo estúpido, mas é bem real: no outro dia, o meu computador decidiu crashar. Tive de fazer um ponto de restauro, e quando re-iniciei, apercebi-me de que tinha perdido quase tudo nos meus documentos: todas as fotos de erasmus, todos os textos que tenho escrito para o blog e apenas para mim, e que tinha andado a guardar cuidadosamente, puff. Foi-se, simplesmente. Se isto tivesse acontecido há uns meses atrás, eu tinha-me passado completamente. Tinha mandado com o portátil contra uma parede, teria dito muitas asneiras, enfim. Mas desta vez, tive uma atitude completamente diferente, e fiquei surpreendida. Assim que me apercebi de que tinha perdido, não tudo, mas grande parte, a minha reacção foi, imediatamente, focar-me na solução ao invés de no problema; se me tivesse focado no problema, ter-me-ia passado, e ficado irritada, e odiar-me por não ter guardado as coisas numa usb drive de segurança; mas de que me teria valho isso? De absolutamente nada. Então resolvi focar-me na solução, que foi: buscar os textos ao blogue, os documentos importantes ao e-mail, as fotos aos álbuns do facebook, passar algumas fotos que tinha na máquina, pedir outras aos meus amigos... assim, aos poucos, e até pode demorar semanas, ou meses, mas hei-de recuperar, pelo menos, o mais importante. E, claro, copiar sempre tudo para a usb drive de segurança. Se há coisa que respeito é mesmo a de que a experiência é aprendizagem. Perdi tudo uma vez por puro descuido, não vou descuidar-me mais. Isto é um exemplo estúpido, mas falando no geral, eu estou muito mais solution-oriented do que problem-oriented; no sentido em que, epa as coisas acontecem, as máquinas deixam de funcionar, as pessoas cometem erros, são m*rdas que acontecem. Há que saber lidar com elas em vez de ficarmos a chorar. E relativizar aquilo a que chamamos de "problemas". A minha vida sofreu um upgrade tal, que estas coisas que dantes me irritavam, já não significam nada ou quase nada. Acho que também estou menos materialista e dou mais valor aos momentos, do que às coisas. Prefiro poupar dinheiro em roupa e outras coisas materiais, para poder ir a sítios que quero mesmo ir, ou fazer viagens que quero mesmo fazer, ou experimentar coisas que quero mesmo experimentar, e que sei que vou guardar na minha memória.

Esta experiência, juro, mudou-me de uma forma que eu nunca imaginei. Mudanças que ultrapassam barreiras geográficas. Mudanças interiores. Resultado de uma viagem dentro de mim mesma, que começou há 5 meses e sinto que está longe de acabar. Mudanças que demorariam o tempo de uma vida inteira a explicar. Aprendi mais nestes últimos meses acerca de coisas como a vida, as pessoas, o mundo, do que em 14 anos de escola. E por isso também não me sinto muito mal se o meu empenho na faculdade, neste momento, não está a 100%. É um semestre na minha vida, o qual posso recuperar mais tarde com livros e cadernos e apontamentos; as experiências que estou a viver aqui? não têm preço, não têm uma nota de 0 a 20 numa tabela de resultados, e possivelmente, esta será A Oportunidade para vivê-las.


Estes três exemplos: o da tolerância, o da aceitação, e o de relativização, são apenas três no largo leque de pequenas grandes mudanças que tenho notado em mim ao longo do tempo. Se se pode chamar a isto de maturidade, ou pelo menos de crescer mais um pouco desde o último ponto em que checkámos a nossa forma de pensar e agir, não sei. Mas sei que, at the very least, me faz uma pessoa mais feliz e saudável. Mais sorrisos e menos preocupações e lamentos. Não choro - de tristeza, que de felicidade já derramei muita lágrima - há meses.

2 comentários:

Menina disse...

Adoro sempre ler os teus textos,mas este em particular adorei =)

Precisava de algo que me fizesse mudar assim, em muitos sentidos mesmo. Acho que isso começava por sair da minha zona de conforto e explorar outras coisas..tenho de tratar disso =P A ver se não passam só de ideias..

beijinho*

Ivone disse...

Sair de uma zona de conforto para uma zona de aventura e descoberta é uma experiência SUPER, mas depois vem a rotina, o dia-a-dia, as responsabilidades. Sei que é uma experiência enriquecedora, uma descoberta, mas as palavras 'tolerância' e 'relativizar' são mais fáceis de se utilizarem num percurso de passagem, quando não estás 'casada' com os usos e costumes, quando a 'tolerância' não é indiferença ou ainda pior quando serve para camuflar 'racismo' e 'discriminação'.
Gostava de saber se já pensaste nisto e que achas desta visão.